no meu caso foi de barriga para baixo | imagem: tirada daqui Happenchange |
É ainda com vincado esgar de dor, bem patente na forma pronunciada com que franzo o olho esquerdo e contraio a metade do rosto que lhe corresponde, que me dirijo aos meus amigos. É que ninguém merece começar o dia de forma tão espectacular como eu. Quer dizer, espectacular é capaz de não ser bem a palavra. Fiquemo-nos pelo admirável. Mas, pensando bem, admirável é também capaz de ser um exagero. Honestamente? Foi ridículo.
Digamos que ali entre as 8h30 e as 8h45 deste santo dia de sexta-feira, os vizinhos de baixo testemunharam o que pensaram ser a reedição do grande terramoto de 1775. Saindo à rua, de pés de pato e escafandro, esperaram a onda devastadora. Rapidamente perceberam que era falso alarme. Enquanto isso, no andar de cima, só aos poucos um cérebro recuperava lentamente a consciência. Juro que foi mesmo assim e que o cérebro era o meu.
Sob juramento testemunho que, ainda antes da queda que provocou o susto da vizinhança, fui conduzido a um estado idêntico ao vivido durante as oito horas que permaneci debaixo dos cobertores. A coisa foi de tal ordem que tenho passado o dia a recuar e avançar na memória tentando recriar a situação. Sei que tropecei no degrau da escada que dá acesso à cozinha e sei que não me foi possível impedir que os meus cerca de 70 quilogramas embatessem no chão. Não ouvi o estrondo. Os meus olhos não registaram a aproximação ao chão. Não senti dor. Só depois, naquilo que tenho consciência ter durado apenas uns micro-segundos e constituiu uma ruptura no espaço/tempo terreno, fui recuperando a presença física e percebendo que estava deitado de barriga no chão e, assim como quem sobe o volume do som, a dor foi chegando. Um formigueiro que vinha lá de baixo, uma dorzita que subia da perna esquerda, uma guinada que vinha da canela. Confirma-se, lá se foi uma fatia da fina pele que cobre a Tíbia (finíssimos nobre, roam-se de inveja).
É por isso que, sendo eu um ser imbuído só de sentimentos positivos, desejo que nunca rebentem com um pedacinho da canela. A dor vem e não desaparece... Está cá, querem sentir? Sim, nós homens somos uns queixinhas, mas não é o caso. Quase podia jurar que é o osso a fazer-se ouvir e está a chamar-me nomes. Todos os nomes (sim, ao contrário do cérebro que a comanda, a minha tíbia já começou a ler Saramago, mas ainda só vai no Levantados do Chão... o que não deixa de ser irónico).
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